Ser mãe é...
- arevistamarias
- 2 de nov. de 2022
- 10 min de leitura
Por Bruna Colmann e Sthefanny Gazarra

*Por apresentarem histórias delicadas, os nomes das entrevistadas foram substituídos por nomes fictícios, visando evitar qualquer tipo de risco e garantindo a segurança das fontes
Dicionários até tentam trazer algum tipo de significado concreto à palavra ‘gravidez’, mas sem sucesso. Parece quase impossível definir com objetividade um termo tão subjetivo que, depois de 9 meses, se transforma em uma palavra curta, mas que vale para a vida inteira: a gestante passa a ser ‘mãe’.
A maternidade, a gestação e o puerpério são fases que apresentam obstáculos para todas as mulheres e em todos os lugares. Mães que moram nas favelas enfrentam desafios como qualquer outra mãe, mas, por vezes, são afetadas pelas particularidades da região em que vivem.
“Uma gravidez saudável depende do acompanhamento de uma equipe multidisciplinar de profissionais, somada a boa alimentação e a atividades físicas regulares. As mulheres periféricas já começam a “perder” no momento em que não têm acesso mínimo a uma alimentação saudável”, explica a ginecologista e obstetra, Carolina Ferrari.
A médica reforça a importância do agente comunitário de saúde nesses casos, que é o responsável por procurar as pacientes com dificuldade de comparecer às consultas, tentando entender quais são suas necessidades específicas.
O diretor da Atenção Primária à Saúde de Curitiba, Cléverson Fragoso, menciona que os agentes representam o elo entre a equipe da Unidade de Saúde e a comunidade. As gestantes se enquadram em um dos grupos prioritários ao atendimento, e devem ser acompanhadas mensalmente por esses profissionais.
Na Ocupação Nova Primavera, localizada na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), existe uma agente comunitária que mora no bairro, mas a presidente da Associação de Moradores e líder da comunidade, Vanessa Rodrigues, comenta que, na maioria dos casos, as pessoas não aderem a essa alternativa. Ou vão ao posto de saúde ou falam com ela. “Quando os moradores precisam de algo nesse sentido, para as crianças, eles me procuram ou me ligam para saber.”
Ser mãe é florescer em todas as Primaveras

Em 2022, a Ocupação Primavera completou 10 anos de existência. Segundo dados do dossiê da comunidade, atualmente a região tem 459 famílias, com aproximadamente 14 gestantes, 293 crianças brasileiras e 54 crianças imigrantes.
A Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da Primavera é a do Sabará, que fica a cerca de 700 metros de distância da ocupação. A ginecologista e obstetra Carolina Ferrari menciona que, muitas vezes, gestantes que vivem nas favelas não vão às consultas nas UBSs por variados motivos: seja pela rotina de trabalho ou devido ao próprio horário de funcionamento da Unidade de Saúde, por exemplo.
Em algumas comunidades próximas à Primavera, como a ocupação Dona Cida, funciona uma Pastoral da Criança. O programa atua com as grávidas da região, auxiliando nas demandas tanto da mãe, quanto do bebê. Uma das moradoras da Dona Cida, Sonelma Stoll (conhecida também como Chica), está trabalhando de forma bastante ativa em vários projetos da Primavera, e um de seus planos para o futuro é instalar uma pastoral por ali. "A pastoral é importante porque oferece, dentre outras coisas, um curso para as mães sobre higiene, saúde, peso e alimentação da criança", comenta.
Outro problema existente na Primavera é a falta de acesso à informação. Muitas adolescentes e adultas que vivem ali não encontram instruções de prevenção à gravidez e às infecções e doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo. Nesse sentido, talvez a educação sexual poderia ser uma alternativa.
A ginecologista Carolina Ferrari menciona que o principal objetivo da educação sexual é instruir as meninas a terem mais conhecimento sobre o próprio corpo, reforçando sua autonomia. “Acredito que nas periferias existem escolas e UBS que podem participar desse processo de divulgação e ampliação de instruções às meninas e mulheres”.
Ainda sobre as formas de prevenção, o diretor da Atenção Primária à Saúde de Curitiba, Cléverson Fragoso, comenta que as Unidades Básicas de Saúde ofertam diversos tipos de métodos contraceptivos, "Basta elas procurarem a UBS. Lá, vão passar por um atendimento com a equipe, que vai realizar exames para avaliar se a mulher não está grávida mesmo e, se não estiver, pode seguir com os métodos contraceptivos."
Ser mãe é acompanhar

A grávida Maria*, de 36 anos, está em uma idade materna avançada, por isso, toma os devidos cuidados com a sua saúde e com a do bebê. Todo mês, ela vai ao Hospital de Clínicas fazer exames e realizar o acompanhamento da gravidez. De início, ela tinha ido a um Posto de Saúde perto da ocupação Primavera, onde mora, e, de lá, foi encaminhada para o hospital.
O diretor da Atenção Primária à Saúde de Curitiba, Cléverson Fragoso, indica que as mulheres com gestação de risco fazem esse acompanhamento em dois locais: na Unidade de Saúde e no Hospital de Clínicas ou no Hospital Evangélico. “Na maternidade de alto risco, a mãe vai ter o suporte de uma equipe especializada com exames gerais ou específicos, diagnóstico mais completos e acompanhamentos.”
Para Maria*, morar em uma favela não justifica a falta de cuidado com o filho. "Eu posso morar até debaixo de uma lona, [por exemplo], mas correndo atrás das minhas coisas e podendo dar o melhor para o meu filho, é o que importa. A principal coisa que eu quero dar para ele é o estudo. Posso morar dentro da comunidade, mas meu filho vai ter estudo".
Apesar de ter preocupações com a saúde e com o bem-estar da criança, Maria* percebe que nem todas as gestantes da ocupação Primavera cuidam de seus respectivos filhos da mesma forma. "Para certas grávidas da comunidade, que são usuárias [de drogas] e não têm o costume de ir ao médico, seria importante um acompanhamento mais próximo do pessoal do posto de saúde, para dar uma assistência e conversar. Tem mãe que está quase ganhando o bebê e nunca fez nada, nem o pré-natal". De acordo com a ginecologista Carolina Ferrari, o pré-natal ajuda a identificar e tratar doenças que a mulher pode adquirir ao longo da gravidez. “A principal causa de morte materna no Brasil hoje é a doença hipertensiva da gravidez, que é quando a mulher desenvolve pressão alta na gestação. Um pré-natal bem feito pode identificar as alterações de pressão precocemente e tratar o quanto antes, evitando a morte materna.”, explica.
Sobre o assunto, o diretor da Atenção Primária à Saúde de Curitiba, Cléverson Fragoso, comenta que atualmente um dos principais indicadores utilizados para avaliar o serviço de saúde de uma região, estado ou cidade é a mortalidade materna e infantil. “O pré-natal, por ser o indicador que avalia a qualidade da saúde da região, é um indicador que prezamos bastante por aqui, e temos um cuidado bem rigoroso.”
Ser mãe é lutar por direitos

Joana* tem 29 anos, está grávida de 6 meses de uma menina e também mora na ocupação Primavera. Ela já tem dois filhos, e comenta que a gestação atual está sendo mais tranquila do que as outras. Sintomas como enjoo e desejos por alimentos específicos continuam, mas de resto, está tudo bem.
Desde que soube da gravidez, Joana* faz acompanhamento no postinho de saúde próximo à comunidade, no Sabará. Na verdade, não parece nada próximo quando se vai a pé e, como esse é o meio de locomoção que ela utiliza para chegar até lá, o percurso torna-se cansativo.
Em um das consultas, a bebê foi diagnosticada com arritmia. Agora, Joana* está esperando para fazer exames e ver como está a situação. Ela só fica sabendo sobre a saúde da filha quando vai ao postinho, então as informações chegam aos poucos. "Seria bom se tivesse algum tipo de acompanhamento médico por aqui. Só pelo postinho fica muito longe."
Joana* comenta que os atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) também não ajudam muito nesse sentido, pois são disponibilizadas poucas ecografias durante a gestação. Outra complicação neste período, está sendo o desemprego. Ela foi demitida grávida e, por isso, já deu início à uma ação judicial contra a empresa. Logo que soube da gravidez, iniciou o pré-natal, justamente para levar documentos comprobatórios aos patrões, mas não adiantou.
A ginecologista Carolina Ferrari reforça que as grávidas possuem seus direitos e, às vezes, esquecem de reivindicá-los. “É bom lembrar que, por lei, toda mulher tem direito a faltar ao trabalho para consultas e exames de pré-natal [por exemplo]. Algumas mulheres nem sabem disso.”
Ser mãe é almejar um recomeço sem amarras

Maria* tem 36 anos e está grávida de seis meses de seu recomeço, que já tem nome e sobrenome: Péricles Peterson. Descobrir a gravidez foi um susto, porque ter mais um filho não estava nos planos, mas, aos poucos, o desespero foi se transformando em gratidão.
Ela já é avó e tem uma filha de 18 anos, que não aceitou muito bem a gestação, nem o fato da mãe ser casada com um homem mais novo. Mas Maria* não liga para isso. Não é apenas na família que os olhares de cima a baixo a acompanham. Nas ruas da Ocupação Primavera, que é seu lar, as pessoas primeiro a julgam, depois a enxergam (isso quando se permitem enxergá-la). Poucas são as pessoas que a acolhem ali. Por isso, ela não comentou sobre a gravidez com muita gente. Tentou esconder a barriga o máximo de tempo possível mas, agora, o corpo já bastante modificado pela presença do feto anuncia quase que naturalmente a chegada de uma nova vida.
Provavelmente, quando Péricles Peterson nascer, Maria* não vai mais estar morando na Primavera. Ela não vê a hora de desatar os nós de preconceitos e julgamentos que a ocupação a amarrou. Muita coisa aconteceu ali, e a maioria dos fatos não são positivos. Ser enxergada por quem ela é e não pela profissão que exerce, independentemente de qual for o seu trabalho, é o que ela almeja. Diante desse cenário, a criança acabou se transformando em uma chance de recomeço, de uma nova vida.
A mulher, mãe e avó que Maria* é e está se tornando a cada dia, carrega no rosto marcas de uma vida que nunca foi fácil. Agora, também leva na barriga um futuro – que vai ser diferente do passado. "Eu cometi alguns erros que me impediram de criar meus filhos, dei a guarda para a avó. Então esse filho aqui, para mim, vai ser tudo. Eu vou poder acompanhar ele, vou ouvir as primeiras palavras e frases que ele disser, vou ver ele andar. Coisas que não vi nos outros filhos. Eu tô lutando por isso."
Ser mãe é ser como uma folha amassada

Joana* tem 29 anos, mora na ocupação Primavera, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), e está grávida de 6 meses, esperando sua terceira filha, Maria Alice. Seus outros filhos (um de 5 anos e outro de 2) são frutos de relacionamentos anteriores diferentes.
As relações, inclusive, são um ponto marcante na vida da antiga auxiliar de limpeza, que foi demitida há pouco tempo, enquanto estava grávida. As pessoas que passaram e, ainda passam, por sua vida parecem fazer parte da escolha de seus novos (ou velhos) caminhos e direções.
Joana* ficou casada por 7 anos com o pai de seu primeiro filho. Quando a criança nasceu, o esposo mudou radicalmente de comportamento e, a partir daquele momento, ela se viu sozinha – a mãe mora em Antonina, e ela não queria incomodar. Com contas para pagar, sem seu emprego de vendedora e auxiliar de produção e com tantas outras coisas a encurralando por todos os lados, o universo das mulheres que trabalham nas noites e nas ruas tornou-se uma alternativa real, até conhecer o pai de seu outro filho.
Os encontros com o segundo esposo, inicialmente, eram apenas por ligações, já que ele estava preso. Depois de receber uma mensagem no celular com um 'oi', Joana* começou a conversar com aquele rapaz e, após alguns meses, também começou a visitá-lo na cadeia. Nesse meio tempo, uma nova gravidez apareceu. O pai, que estava preso, tinha sido solto, e ela, por ser a única conhecida dele no estado, o recebeu em sua casa.
Estavam morando juntos, e Joana* estava com 15 semanas de gestação quando ele foi preso novamente – dessa vez, condenado à 51 anos de prisão que, somados aos delitos anteriores, resultaram em uma pena correspondente à uma vida inteira atrás das grades. Ele nunca conheceu o filho e nunca mais viu Joana* que, depois disso, voltou a morar em Antonina com a mãe. Lá, conheceu o pai de sua terceira filha, Maria Alice, que está com o nascimento previsto para janeiro de 2023.
Depois de alguns problemas na cidade, o atual marido de Joana* veio para Curitiba. Um tempo depois e, passadas outras turbulências, ela veio também. Dentre muitas pedras e inconstâncias no caminho, seguem juntos, em uma casa de madeira pintada em um tom azul bebê na comunidade Primavera. O primeiro filho dela mora ali também. O segundo mora com a avó, em Antonina.
Maria Alice (a filha que está na barriga) não foi planejada. Ela representa, biologicamente, uma ligação entre Joana* e seu atual esposo - e isso não parece ser muito positivo. Esperando a filha nascer e, ao mesmo tempo, aguardando o novo capítulo que a vida vai lhe proporcionar, Joana* segue ali. O plano é sair da Primavera, mas a data é incerta. Para um futuro próximo, pretende visitar a mãe.
Com o cabelo preto bem liso, de rímel preto nos cílios e com algumas manchas no rosto, Joana* carrega uma vida cheia de experiências e marcas. Se cada momento fosse como uma dobra em uma folha em branco, a folha dela estaria amassada. E, agora, seguindo a mesma lógica da analogia, a folha marcada de Joana* está gerando uma folha nova, limpa e lisa, que já tem nome e está quase chegando ao mundo: é a Maria Alice.
Mãe Curitibana Vale a Vida

Durante a gravidez , é importante que a mulher receba todo o acompanhamento possível, para avaliar a própria saúde e o desenvolvimento do bebê. Com isso, a prefeitura de Curitiba implantou um projeto para facilitar o acesso das mulheres de baixa renda. O projeto é o ‘Mãe Curitibana Vale a Vida’, que atua na linha de cuidados às mulheres dentro do departamento de Atenção Primária à Saúde, prestando serviços antes, durante e depois da gestação.
Como o programa ‘Mãe Curitibana’ funciona?
Após a busca pelo atendimento e o resultado do exame de gravidez ter sido positivo, a mulher já é inscrita no programa ‘Mãe Curitibana’, e começa a fazer o pré-natal e um acompanhamento até ganhar o bebê. Ela também passa por consultas com os médicos, enfermeiros e dentistas.
As mulheres cadastradas no programa podem acessar as informações das consultas marcadas através do aplicativo ‘Saúde Já’, disponível para Android e IOS.
Cuidados femininos
Apesar da gravidez ser um assunto temido pelas mulheres que ainda não se sentem preparadas para a maternidade, existem assuntos tão importantes quanto, como as doenças sexualmente transmissíveis e as formas de prevenção. O projeto ‘Mãe Curitibana’ também atende as mulheres que já são ativas sexualmente e que ainda não usam formas contraceptivas. Alguns dos métodos contraceptivos que o projeto oferece são pílulas anticoncepcionais, injeções trimestrais, diu e implanon.
A ginecologista Carolina Ferrari também fala sobre o assunto, dizendo que a escolha de cada método contraceptivo é individual, e depende da avaliação de médicos acerca dos riscos e benefícios para a mulher. “Os métodos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são: preservativo masculino e feminino, pílulas contraceptivas, contraceptivos injetáveis e orais, cirurgias de esterilização como laqueadura e vasectomia e o diu de cobre. No sistema privado é possível encontrar dius hormonais e implantes contraceptivos.”
Para mais informações sobre o programa ‘Mãe Curitibana’, da Secretaria de Saúde de Curitiba, acesse o site: https://saude.curitiba.pr.gov.br/atencao-primaria/protocolo-mae-curitibana.html, ou entre em contato pelo telefone (41) 3321-3209.
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