A dor da vivência
- Brunna Gabardo
- 2 de nov. de 2022
- 3 min de leitura
Por Brunna Gabardo

A maternidade é um local onde almas se cruzam e a mocidade torna-se o centro dos debates. Tempos de meninas, meninas que não sabiam que queriam ser mães, mas tornaram-se mesmo assim. As feições de suas progenitoras refletiam-se agora em seus narizes, suas bocas, suas mentes, suas mãos e repassam à próxima geração. Não há preparo formal para ser mãe, quiçá teimar em passar pela solidão, fome, frio ou lágrimas. Há urgência em prestar atenção às lágrimas. A vivência da maternidade dói.
As mulheres são as principais responsáveis pelos lares — segundo a pesquisa de Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 43% dos lares nas cidades tinham uma mulher como pessoa de referência em 2015 —, são a maior parte da população, e a maioria nas periferias e ocupações. Também são aquelas que não fecham os olhos durante a noite e ficam em vigília atenta. Basta passar os olhos pela Ocupação Primavera para constatar que a maioria das pessoas ali é de mulheres. São sujeitos políticos e ativos, plurais e reais, que produzem resistências e existem, gritando quando não conseguimos nem ao menos falar.
Tão simples e automático quanto qualquer carinho de uma matriarca, Marias dizem aos seus filhos o silêncio do pai, mandando um abraço ou um beijo. Varam os dias para que da panela suba algum cheiro, além da água fervente. Quando há doença, também há correria, métodos curativos e um olhar ancestral, quase divino, de proteção e acolhimento. À porta das igrejas e associações, apoiando-se nos delírios da vida, permitem-se chorar e refletir suas existências, e apenas lá — para não gerar preocupações desnecessárias dos filhos, pois mães não desabam em correntezas. Todos conhecem essa mulher. Maria, Maria. Todos os dias, faz o amor caber nos bolsos e, assim, torna-se grande. Mas deseja a calmaria, além da febre e da solidão, das humilhações passadas nas casas das patroas, das dificuldades de criar quatro ou cinco crianças sozinha, dos amores frustrados e da vida de ferro nas periferias — elas, que são parte do corpo da cidade, mas que confere-se apenas de vez em quando.
A vivência da maternidade também machuca. Machuca quando, no ventre, não se sabe em que realidade o filho irá crescer. Há mães que conhecem a liberdade e outras que não se vêem fora de uma prisão. Mulheres cujas histórias não permitem sentimentalismos ou metáforas bonitas, não cabem nuances de beleza. A vivência machuca ainda mais quando percebem certas diferenças invisíveis, um mundo azul, como é chamado. Como compreender o silêncio das crianças, bem como a fuga do contato visual ou a compreensão e expressão de sentimentos e emoções? É tão fácil, diga onde dói. Ou quando a morte lembra o quanto a vida é pesada, os corres, a poeira, o pó, o sangue e as ruas sem saída — a criança carrega a doçura inocente, mas descarrega gritos e olhares mais velhos, que não são seus.
Marias. Daiane, Gisele, Tainara, Conceição, Vanessa, Bianca, Simone, Dafine, Sueli. A maternidade é passada de um coração para outro e as mães pedem paz. Se permitir, assim que encostar os pés nas terras da Primavera, nascerá dessas mulheres. Sentirá, assim como esta escritora, os machucados tomando conta da pele, lembrando constantemente a vivência e os olhos maternos, que continuam acordados, zelando a todos enquanto sonham.
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