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Crônica | Uma outra primavera

  • Sabrina Ramos
  • 20 de out. de 2022
  • 2 min de leitura

Atualizado: 3 de nov. de 2022

Por Sabrina Ramos

Viela na ocupação Nova Primavera | Foto: Sabrina Ramos

Flor de lama. Mais flor de lama. Flor de lama, de novo. É o que floresce na ocupação Nova Primavera durante a chuvosa entrada da estação das flores, e que não por mera coincidência é responsável pelo nome da comunidade — a Ocupação Primavera, nasceu em 29 de setembro de 2012. No entanto, suavidade, delicadeza, traços característicos da estação, não são o forte desta primavera.


Saindo do asfalto que cerca a ocupação, o caminho percorrido é lamacento. O terreno é íngreme e oscilante. Do alto, a vista é de um mar de madeiras e tijolos sem acabamentos. Pequenas habitações rudimentares. Inabitáveis. Britas e restos de concretos quebrados tentam sobreviver ao soterramento e atuar como uma espécie de "calçada" para aqueles que transitam. Falhos. Não dão conta. Não sei se é chuva demais ou pedras de menos, mas arrisco em dizer que o problema não é nenhum, nem outro. A cada passo dado, um pé mais atolado. De galochas, botinas, chinelos de dedo, os moradores caminham com naturalidade. Não deviam. Não deviam mesmo andar assim. Viver na lama, não devia ser natural. Mas é como vivem. Barro na chuva, poeira no sol.


Até aqui, sem surpresas. O cenário não difere do que estamos habituados a visitar com distanciamento nas televisões e na internet. Presenciá-lo é angustiante, preocupa. Porque alguns vivem assim? “Alguns”, não … 459 famílias vivem na ocupação. Me diz ai, de que lugar você tá lendo? O papo é reto para que todos entendam.

Crianças da ocupação soltando pipa | Foto: Sabrina Ramos

Poderia parar por aqui, mas antes preciso te apresentar uma outra primavera. A Nova Primavera. A primavera é uma estação de transição, isto é, o clima transita de um pólo a outro, são dois estados antagônicos em colisão, acontecendo, vivendo ao mesmo tempo.


A Nova Primavera que conheci é uma estação de acolhimento. A ocupação abraça pessoas, sonhos e planos daqueles que ainda não encontraram ou receberam o seu espaço. Partilhar o que é preciso para quem precisar. Uma rede de apoio. Tecida, sobretudo, por mulheres. Mães, trabalhadoras, donas de casa. Amigas. Vanessa é líder comunitária e presidente da associação de moradores da ocupação. Uma pequena sala de madeira, pintada de rosa com flores nas paredes ao lado de fora, sementes no lado de dentro. As mulheres da associação mobilizam ações para os moradores e melhorias na comunidade.

Abençoada (de costas) conversando com vizinha | Foto: Sthefanny Gazarra

A Nova Primavera que conheci é uma estação de gentileza. Na primeira casa, ao lado esquerdo, do caminho principal, Abençoada recebe aqueles que passam por debaixo de sua janela com um caloroso bom dia, caso haja abertura, o bom dia se estenderá para uma conversa que termina com uma bênção, ou até mesmo uma xícara de café.


A Nova Primavera que conheci é uma estação de resistência. Embora a chuva seja intensa e constante, a vida brota nos sorrisos e olhares das crianças. Brincando em manilhas, raia nas lajes. A Nova Primavera existe … ela resiste ... e também vive.




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