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Esposas tomam o martelo: mulheres se apoiam para aprimorar habilidades na construção civil

  • arevistamarias
  • 2 de nov. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 3 de nov. de 2022

Por Brunna Gabardo, Sabrina Ramos e Sthefanny Gazarra



Aluna da oficina construção civil durante aula prática | Foto: Sthefanny Gazarra


Manusear uma makita ou furadeira, colocar uma porta, pregar ou fazer uma peça, uma cobertura, dedicar-se à fiação elétrica ou manutenções básicas nos lares da ocupação. Em um ambiente majoritariamente masculino, mulheres da Ocupação Primavera enxergam na construção civil uma nova forma de autonomia em suas vidas. O projeto “Tô de Boa” é uma iniciativa da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (SENAD) com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que investe na área de desenvolvimento e aprimoramento da segurança pública para gerar oportunidades.


Sendo uma edição piloto, após diagnósticos territoriais, a região de Curitiba selecionada para a primeira atuação do projeto foi a Cidade Industrial de Curitiba (CIC), pois o programa procura atuar em territórios nos quais há vulnerabilidade à violência e ao tráfico de drogas. “Buscamos áreas onde tivessem esses altos índices de violência e criminalidade, mas que também tivessem um alto potencial de mobilização comunitária”, explica a pesquisadora e responsável pelo projeto, Conceição Aparecida dos Santos. Sendo assim, foram escolhidas para ser implementado o projeto as ocupações Dona Cida, 29 de março, Nova primavera e Tiradentes, por serem recentes e, por conta disso, com estruturas mais simples.


O objetivo inicial da oficina de construção civil era “instrumentalizar” as pessoas nas áreas de ocupação, que costumam construir suas próprias residências. “[Os moradores] fazem de forma bem precária, sem conhecimento necessário, o que coloca em risco suas próprias vidas. A ideia era dar o básico para essas pessoas construírem casas melhores e começarem a atuar no campo”, afirma Conceição.

EPI usado pelas alunas durante a oficina | Foto: Sthefanny Gazarra

As casas, em sua maioria feitas de madeira, geralmente são levantadas pelas mãos de maridos, pais, tios, irmãos ou até mesmo filhos, mas agora são estruturadas pelas matriarcas, Conceição notou que o projeto teve participação corajosa e entusiasmada das mulheres, muitas delas sendo chefes de família. “As meninas têm muita dificuldade de se inserir de forma digna nesse espaço, sem sofrer assédios ou adoecer mentalmente. São mulheres que se juntaram para trabalhar em coletivo”, disse. Com 70 horas de aulas práticas, a oficina teve ajuda de Márcio Rodrigues, que trabalha como pedreiro e é morador da ocupação Primavera. Sobre a participação do público feminino no projeto, ele afirma que as mulheres são a maioria: “Elas são o pulmão da comunidade”. Uma das alunas da oficina é a Michele, 37 anos. Desempregada, a mulher abraçou a oportunidade de se dedicar a uma atividade que desde jovem tinha interesse. Ela comenta que acompanhava a mãe construindo a casa da família e gostava de estar junto ajudando na obra. “Sempre tive vontade de fazer a minha casa do jeito que eu queria. Quando surgiu essa oportunidade, eu vim para aprender mesmo. Para fazer certo, porque eu não sabia fazer”, comenta.



Aluna da oficina Michele, 37 anos | Foto: Sabrina Ramos


Mãe de primeira viagem aos 14, Michele trabalhou em “casa de família”, como empregada doméstica, em padaria e restaurante. Ela não se intimida com o trabalho braçal e confessa o desejo de levar a construção civil como uma profissão, apesar das dificuldades para uma mulher se inserir neste meio de trabalho.


“Olha, eu sempre quis fazer faculdade para ser uma arquiteta e fazer projetos, mas como eu tive filhos muito cedo eu não consegui, parei de estudar. Agora, meu marido fica me incentivando a fazer, pois é difícil contratar uma mulher para esse trabalho pesado”

Com os aprendizados das aulas, Michele já realizou melhorias na comunidade, como a construção de uma lixeira comunitária de concreto, e na residência que vive com o marido e o filho mais novo. “Eu já subi parede, coloquei azulejo, fiz uma casinha de madeira também. Está ficando bem melhor, porque agora não tem mais tanta poeira”. A mulher também revela os planos que possui para o futuro, entre eles a construção de uma varanda e a reforma da cozinha de madeira.


Filha de pedreiro, a diarista Elaine Cristina dos Santos, 40 anos, comenta que conhecia as ferramentas e tinha noções de construção em virtude da profissão do pai. “Ele já quis me me ensinar no passado, só que eu era jovem, não queria aprender muita coisa. Mas agora eu estou aproveitando a oportunidade”, comenta.


Embora não tenha colocado os aprendizados da aula em prática, devido a falta de recursos e materiais, para a diarista, as aulas são produtivas e servirão para projetos futuros. “Eu tô querendo construir um banheiro, quero ver se eu mesma consigo botar em prática alguma coisa”. Elaine chegou a ocupação Primavera em 2016. Há cerca de um mês, ela se mudou para algumas ruas acima, onde começa a ocupação 29 de Março. Ela mora com o filho de 5 anos em uma casa de duas peças: cozinha e quarto, apenas. Para higiene pessoal, a família utiliza o banheiro comunitário da ocupação.



O acesso à moradia em Curitiba e os direitos na ocupação


Previsto pelo art. 6º da Constituição, a moradia é um direito federal assegurado a todos os cidadãos brasileiros, no entanto o acesso a ela é deficitário em todo território nacional. De acordo com a advogada Valéria Fiori da Silva do Instituto Democracia Popular (IDP), o salário mínimo não abarca o valor da moradia e a impossibilidade das pessoas de classes mais vulneráveis acessarem o mercado formal, são o cerne da questão. Além do mais, a advogada considera fundamental levar em conta o recorte de gênero na pauta. “Quem sente mais é a mulher. Porque é ela quem vai levar o filho, o pai, o irmão, o marido para o posto de saúde. A mulher que sofre com a rua esburacada porque ela vai no mercado, pega ônibus e leva as crianças na escola”, observa.


Neste sentido, em uma tentativa de suprir as demandas da população e reivindicar o direito constitucional à moradia, nascem as ocupações. Valéria explica que as ocupações são amparadas juridicamente pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257). A lei é responsável por regulamentar a política urbana e estabelece que as propriedades devem cumprir a “função social” da terra. “As ocupações ocorrem em áreas que estão vazias porque não interessam ao mercado. Pode ser uma área que tem inundação ou que têm algum tipo de bosque de preservação, mas também áreas que estão paradas só pela especulação imobiliária. Então o principal argumento da ocupação seria que a terra não está cumprindo a função que ela deveria cumprir para sociedade. Então ocupar com moradia é melhor do que deixar um um espaço ociosos”.


Para a advogada, o cenário curitibano de acesso à moradia é “muito ruim”. Na capital paranaense, as ocupações e os moradores enfrentam uma série de empecilhos para regularizar os espaços em que vivem, entre eles falta de instalações elétricas e redes de esgoto.


“Uma outra questão interessante é o próprio debate do endereço. Também é um direito que as pessoas deveriam ter, mas quando você vai para ocupação elas não não tem”.

Em Curitiba, a falta de uma secretaria municipal de habitação é outro problema destacado por Valéria. A COHAB, órgão responsável pelas demandas de habitação, é uma empresa de economia mista. A Companhia não se manifestou sobre as questões habitacionais na cidade.


Infraestrutura

De acordo com um levantamento da Campanha Despejo Zero, feita de maio de 2020 até maio deste ano, 1716 famílias foram despejadas no estado do Paraná. Um dos fatores para isso acontecer, é que em 2021 o Governo Federal reduziu investimentos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que perdeu R$ 1,513 bilhão. O FAR é responsável pelo financiamento de obras de moradias populares, que atende famílias de baixa renda.


Vista da ocupação Nova Primavera | Foto: Sthefanny Gazarra

Outro motivo, apontado na pesquisa, e que impacta no aumento de pessoas em situação de rua ou em insegurança habitacional é o desemprego. Conforme os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), mais de 10 milhões de pessoas estavam desempregadas no segundo trimestre deste ano. Uma maneira que essas famílias em situação de insegurança habitacional, encontram para não chegar a ficar em situação de rua é buscar um terreno nas ocupações urbanas e que carregam um forte significado de luta e direito mesmo que as condições sejam precárias nessas realidades e vão em contramão de todas as condições básicas necessárias para moradia. O engenheiro civil Felipe Moruni, explica que a infraestruturas das ocupações podem acabar causando doenças as famílias que vivem nela, por serem feitas em beiras de rios onde desaguam esgotos, causando inúmeras doenças, as redes elétricas podem acontecer por "gatos", que somado ao fato das casas serem de madeira, podem ser foco de incêndios. “Casas de madeira, com áreas pequenas, que não comportam o tamanho das famílias de baixíssima renda que tendem a ter uma quantidade grande de filhos. O material de confecção somado ao ambiente externo gera diversos transtornos.”, comenta Felipe.


A falta de assistencialismo do governo contribui para o agravamento das dificuldades das famílias para sair dessa situação, pois elas não conseguem ter uma estabilidade para gerar renda. “O paliativo a curto e médio prazo, é dar assistência financeira, de saúde, e educacional a essas pessoas, a fim de que estas tenham subsídio, condições e força mínima. O estado deve contribuir esporadicamente oferecendo residências de padrão popular para realocação das pessoas moradoras de ocupação.”, explica o engenheiro.


Contudo, a demanda que essas famílias necessitam não está apenas no investimento em moradias populares, mas principalmente nas questões básica de saúde, educação, emprego para uma vida digna.

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